MARAVILHAS DO QUARTO MUNDO
"Quarto mundo" – expressão que designa a possibilidade da música em termos verdadeiramente globais, para lá do Primeiro Mundo, para lá do Terceiro Mundo, para lá da clássica, da pop, de qualquer outro género. Conceito formulado pelo trompetista explorador Jon Hassel em finais da década de 1970, o Quarto Mundo é uma combinação mutante entre o primitivo e o futurista, uma espécie de música folk contemporânea oriunda de “regiões desconhecidas e imaginárias”. A terceira noite com curadoria da Discrepant para o maat Mode 2020 usa o potencial deste Quarto Mundo para impulsionar a exploração de um mundo sonoro em eterna mutação, onde são retratadas civilizações e dimensões alternativas. Um paralelo utópico/distópico, livre das amarras da dicotomia Norte/Sul entre pobres e ricos; o colapso total do statu quo cultural; dimensões atípicas.
Star Searchers
Deveríamos estar gratos por viver na mesma era que Spencer Clark. Numa época que nos diz que já nada de novo existe, o seu percurso musical mostra-nos que há um sem número de mundos por descobrir. No início deste século, Clark criou uma fantasia sonora com os The Skaters, prosseguindo em busca de uma nova alquimia sob vários alter-egos (Charles Berlitz, Fourth World Magazine, Monopoly Child, Typhonian Highlife, etc.). Se em Possible Musics Jon Hassell começou a criar sonoridades para o seu “Fourth World”, Clark tem criado “mundos possíveis” onde a sua música possa existir num Quarto Mundo muito próprio.
O seu novo álbum, Avatar Blue, com duração de duas horas e 30 composições, é uma odisseia pró-planeta Terra sobre o oceano e os efeitos especiais — um disco futurista amigo do ambiente. É a vida na terra como nunca a conhecemos, transpondo a percepção que temos daquilo que vimos ou sabemos. É uma vida aquática neo-futurista, uma fábrica de mundos com sonoridades e narrativas a condizer. Mergulhe de cabeça e molhe-se!
Lagoss
Lagoss é o novo projeto do fundador da Discrepant, Gonçalo F. Cardoso (Gonzo, Visions Congo, Papillon, Prophetas), e dos Tupperwear (Mladen Kurajica e Dani Tupper), fiéis da eletrónica oriundos de Tenerife. Mergulhando a fundo no universo mitológico das ilhas-fantasma (a elusiva ilha de S. Brandão é um tema recorrente), os Lagoss apropriam-se dos compêndios do movimento exótica virando-os do avesso, criando uma mistura fervilhante de sons, formas e padrões que acabam por confundir, espantar ou (esporadicamente) assustar o ouvinte mais distraído.
Com um espectáculo ao vivo construído à laia de cartilha esquizofrénica de humores e mais de 50 vinhetas onde se descrevem os diversos habitats e estados de espírito do arquipélago (imaginário) local, os Lagoss oferecem uma visão grandiosa de novos admiráveis mundos velhos, independente das óbvias linhas de pensamento atípicas. Não há aqui qualquer ruptura com a mãe natureza: a fauna e a flora imperam, há ruídos contínuos dos predadores locais, de grande e pequeno porte, buscando presas em tudo e todos — os seres humanos são meros convidados temporários. Um almanaque náutico de ideias remotas sobre uma terra esquecida, construída e reconstruída sobre camada após camada de morte verde e azul — esqueçam o Martin Denny, isto não é easy-listening.