Ballad of Today de André Cepeda é uma longa caminhada contínua, através de uma cidade, a princípio hesitante, depois acelerada. Em plena luz do dia, ao anoitecer, na escuridão, na sombra da noite, ao longo de muitos caminhos diferentes que se cruzam, que nos conduzem ao tão sedutor quanto repelente brilho do centro financeiro e nos fazem descer à sombria sucção dos esgotos. André Cepeda parece seguir os cães, os vadios, o trajecto dos noctívagos e dos desempregados através dos canais de um organismo complexo. Silenciosamente, mas com uma atenção aguçada, com uma perceção que parece reunir olfacto, tacto e visão num só sentido amplamente abrangente.
A cidade na qual André Cepeda mergulha é Lisboa, para onde se mudou há dois anos vindo do Porto depois de passar os primeiros anos de vida na Holanda e a juventude em Coimbra, com algumas estadias na Bélgica. Ele vagueia na sua nova cidade, infiltra-se nela, vasculha-a, distancia-se, perscruta-a, questiona-a e investiga-a minuciosamente — não tanto de uma forma descritiva, em jeito de síntese, mas como se quisesse perfurar o corpo da cidade com a sua máquina, abrir buracos nela, roçar nela, aguçar os sentidos e o pensamento na sua complexidade.
Embora habitualmente utilize uma máquina fotográfica de grande formato e um tripé, parece que as suas imagens foram feitas por um cão vadio, que com o seu focinho húmido toca os pavimentos das ruas, as fachadas das casas.
O resultado é esta inquietante balada de uma cidade, uma balada da cidade enquanto sistema urbano, da sociedade actual, da nossa existência individual e coletiva. No seguimento dos seus projectos anteriores, Depois (2016), Rien (2012) e Ontem (2010), André Cepeda aumenta a sua intensidade, renova a sua luta com o real, tornando mais concreta a linguagem das imagens, impregnada da sua “condição” física, emocional e social. Ballad of Today, a exposição de André Cepeda no maat, mostra cerca de 80 fotografias a cor e a preto e branco e em diversos formatos e modos de exposição, dando forma a um corpo visual da cidade. É acompanhado por duas instalações sonoras produzidas em colaboração com Maria Reis e Gabriel Ferrandini.
Um livro homónimo é simultaneamente editado pela Pierre von Kleist Editions.