VIDEOARTE EM AGOSTO #3
Curador convidado: Tom van Vliet
Os três trabalhos selecionados, Let’s Call it Love, de Breda Beban; Hostage: The Bachar tapes, de Walid Ra’ad, e FIASCO, de Janet Riedel, Katja Pratschke e Gusztav Hamos, partilham uma busca, uma investigação; o espanto, o assombro e o questionamento sobre as existentes ou não-existentes fronteiras entre ficção e realidade, sobre a representação do espanto e do que é importante. Tendo como pano de fundo a guerra na Sérvia, no Líbano e na Hungria Estalinista, apresentam-se trabalhos que refletem os resultados de uma investigação feita em torno da perceção da verdade.
Tom van Vliet criou em 1982 o muito reconhecido World Wide Video Festival, em Amesterdão, que dirigiu até 2004. Entre 1984 e 1996, dirigiu também o Centro de Arte Contemporânea Kijkhuisem, em Leiden, Países Baixos. Comissariou exposições de Tony Oursler, Nan Hoover, Madelon Hooykaas & Elsa Stansfield, Nam June Paik, Keith Piper, Klaus vom Bruch, Gary Hill, Marie-Jo Lafontaine, Walid Ra’ad, Darya von Berner, e a exposição Double Vision, que abordava os aspetos estéticos e conceptuais da imagem múltipla. Fez a curadoria e produção de várias instalações vídeo de Nalini Malani, Michal Rovner e Eder Santos, entre outros, e comissariou exposições para o Stedelijk Museum, Museo Reina Sofia, Fukui Biennale, Paisagem de Luz e a Busan Biennia. Também comissariou uma série de projeções de rua e videomapping, com artistas como Pipilotti Rist, General Idea, e Pablo Valbuena.
Let's Call it Love, Breda Beban
7’15’’, 2000
Alguém troca um velho gramofone Garrard. As ranhuras do disco deslizam lentamente pela imagem. A pessoa seleciona a última música. A agulha cai na ranhura e ouvem-se as primeiras notas lânguidas de um clássico de jazz. Chet Baker começa a cantar. Inevitavelmente o ouvinte sente-se oprimido pela atmosfera melancólica que o leva com ela num desejo indefinido. Um desejo que se mantém por satisfazer quando a agulha fica presa a meio da canção. O disco é iniciado uma vez mais, e uma vez mais o desejo afunda-se nas falésias das ranhuras. Lenta mas de forma segura, um barulho ameaçador cresce ao fundo, identificamos nele o som de aviões a voar. Agora as ranhuras do disco são substituídas por aviões de combate que deixam profundas marcas no céu. Estas imagens de aviões a jacto são quase tão hipnotizantes quanto o disco a rodar e a lânguida linha do baixo da música. Não vemos imagens de horror ou terror. Não há cidades devastadas, apenas um quase ballet abstrato no céu. No entanto, conseguimos sentir as implicações impiedosas destas contínuas inquietações. Bombas e mísseis desprendem-se lentamente e iniciam a sua jornada em direção ao chão. Desde a atmosfera segura onde poderíamos sonhar sem ameaça, encontramo-nos agora na realidade severa de uma guerra. Beban leva-nos com ela até ao seu país de origem, a Jugoslávia, a Novi Sad onde nasceu, uma das cidades mais atingidas durante a guerra do Kosovo. Ela, como nenhum outro, vive este atormentado sentimento. A saudade provocada pelo exílio, a distância e o envolvimento, a aversão e a compaixão para com o seu país de origem… que palavras existem para o descrever? Let’s Call it Love [Chamar-lhe-emos amor].
Breda Beban (1952–2012) é uma artista Sérvia, que trabalha com filme e vídeo. Beban nasceu em Novi Sad e estudou arte em Zagreb. Foi residir para o Reino Unido em 1991. Entre 1986 e 1994 colaborou com Hrvoje Horvatic na realização de filmes e vídeos. Em 1992 integrou a exposição, Committed Visions, no MoMA, em Nova Iorque. A sua instalação para dois ecrãs, intitulada The Most Beautiful Woman in Gucha, foi apresentada na Bienal de Veneza em 2007. Em 2001, recebeu o prémio da Paul Hamlyn Foundation para artistas visuais. Em 2010, o seu projeto Endless School foi apresentado na Tatton Park Biennial, no Reino Unido. Let’s Call it Love foi apresentado em 2000 no World Wide Video Festival, em Amesterdão.
Breda Beban (1952–2012) is a Serbian film and video artist. Beban was born in Novi Sad and studied art in Zagreb. She moved to Britain in 1991. Between 1986 and 1994, she made films and video works collaboratively with Hrvoje Horvatic. In 1992, she was part of the exhibition Committed Visions at the Museum of Modern Art, New York. Beban's two-screen video installation titled The Most Beautiful Woman in Gucha was presented at the 2007 Venice Biennale. In 2001, she was the recipient of a Paul Hamlyn Foundation award for visual artists. In 2010, her project the Endless School was presented at the Tatton Park Biennial. Let’s Call it Love was presented in 2000 at the World Wide Video Festival, in Amsterdam.
Hostage: The Bachar tapes, Walid Ra'ad
16’17’’, 2001
Hostage: The Bachar tapes (English version) é atribuído a Souheil Bachar e é sobre a abdução e detenção do Líbano a homens ocidentais como Terry Anderson e Terry Waite, durante os anos oitenta e princípio dos anos noventa, por “militantes Islâmicos”. Este episódio consumiu direta e indiretamente a vida política e pública libanesa, americana, francesa, alemã e britânica, e precipitou uma série de escândalos políticos de alta relevância como o Caso Irão-Contras, nos Estados Unidos. Em Hostage: The Bachar tapes (English version) esta crise é examinada através do testemunho de Souheil Bachar, mantido refém no Líbano entre 1983 e 1993. O que é notável no cativeiro de Souheil é a sua detenção por três meses, em 1985, na mesma cela que cinco homens americanos: Terry Anderson, Thomas Sutherland, Benjamin Weir, Martin Jenco, e David Jacobsen. Em 2000, Souheil colaborou com o The Atlas Group para produzir 53 cassetes de vídeo sobre o seu cativeiro. Tapes#17 e #31 são as únicas que tornou disponível publicamente fora do Líbano. Nas cassetes, Souheil aborda os aspetos culturais, textuais e sexuais da sua detenção com os americanos.
O tema central do trabalho de Walid Ra'ad (1967) é a guerra que devastou o Líbano entre 1975 e 1990. Era uma criança quando testemunhou a natureza extremamente violenta do conflito. Em 1983, Walid Ra'ad deixou o Líbano e instalou-se em Nova Iorque, onde estudou Visual & Cultural Studies. Confrontado com a abundância de material visual e fotográfico de Beirute, fica fascinado com a forma como o mundo ocidental vê o conflito no Líbano. É um olhar que não reconhece. Começa aí um projeto pessoal focado na investigação; na pesquisa de uma história do Líbano e o valor desta documentação para a história do país. Conversas sobre este tema constituem uma importante parte do seu trabalho, razão pela qual ensina, dá palestras e faz performances. A ficção e a realidade estão tão imbricadas no trabalho de Walid Ra'ad, que se tornam quase indistinguíveis. Não é só a realidade que é importante para ele, mas também o como esta realidade poderia ter acontecido, razão que o leva a manipular o seu material. Ra’ad recebe, em 2011, o Hasselblad-Prize, e em 2007, o Alpert Award for Visual Arts, bem como, nesse mesmo ano, o Deutsche Borse Photography Prize. O seu trabalho tem sido exibido no World Wide Video Festival, Amesterdão; Documenta 11, Kassel, Alemanha; na Bienal de Veneza, Itália; na Whitney Biennial, em Nova Iorque; e também no The Ayloul Festival, em Beirute, bem como noutros eventos e em instituições culturais, na América do Norte, Europa e no Médio Oriente.
FIASCO - Fragments based on the novel by Imre Kertész, Janet Riedel, Katja Pratschke & Gusztav Hamos
30’, 2014
Com a fotonovela FIASCO - uma homenagem ao La Jetée de Chris Marker - é introduzido: um aeroporto sem nome, numa grande cidade, estrangeira embora familiar, onde um homem procura uma maneira de sobreviver num sistema que condenou todos aqueles que ainda não perderam a crença na liberdade individual. FIASCO conta um novo início da Budapeste Estalinista dos anos cinquenta, depois de sobreviver a Auschwitz e Buchenwald. Ao confrontar a perceção do tempo, explora a procura pela identidade e a multiplicação da personalidade de quem vive na repressão do totalitarismo. O método literário de Imre Kertész é transformado numa linguagem visual: através da junção de elementos fragmentados do passado e do presente, encontrando traços que ligam a experiência e a lembrança.
With the photonovel FIASCO - an homage to La Jetée by Chris Marker - is introduced: a nameless airport in a large, foreign yet familiar city, a man is searching for a way to survive, in a system which has condemned all those people who have not yet lost their belief in the individual freedom. FIASCO tells of a new beginning in Stalinist Budapest of the 1950's after surviving Auschwitz and Buchenwald. Confronting the perception of time, FIASCO explores the search for identity and the multiplication of one's personality under the repression of totalitarianism. Imre Kertész literary method is transformed into a visual language: by joining fragmentary elements from the past and the present, by finding traces that link experience and remembering.
Janet Riedel (1978) nasceu em Dresden, Alemanha. Estudou Design Gráfico na Heiligendamm / Wismar University of Applied Sciences, e fez mestrado em Artes Visuais na HfBK Hamburg. In 2005, conheceu Imre Kertész, Nobel de Literatura em 2002. Este encontro foi o começo do filme-ensaio fotográfico FIASCO, que veio a ser debatido em simpósios e apresentado em diversos festivais. Janet Riedel trabalha como fotógrafa freelance desde 2003, nas áreas da documentação, reportagem e do retrato. Vive e trabalha em Berlim, e é membro do lux photographer collective desde 2015.
Janet Riedel (1978) was born in Dresden, Germany. She studied graphic design at the Heiligendamm / Wismar University of Applied Sciences, and did her Master of Fine Arts at the HfBK Hamburg. In 2005, she met Imre Kertész, Nobel Laureate in Literature in 2002. This encounter was the starting point for the photo essay film FIASCO, which was discussed at symposia and various festivals. Since 2003, Janet Riedel has been working as a freelance photographer in the areas of documentation, reportage and portrait. She lives and works in Berlin and has been a member of the lux photographer collective since 2015.
Katja Pratschke (1967) é artista multimédia e curadora. Organiza, desde 2006, temporadas de filmes fotográficos com Thomas Tode e Gusztáv Hámos, com quem colabora desde 1998. Os seus filmes e instalações foram apresentados no Ludwig Muzeum, Budapest (Hungria); SFMOMA, São Franscisco (EUA); Akademie der Künste, Berlim (Alemanha), e na Tate Modern, Londres (Reino Unido). Recebeu diversos prémios e bolsas Artist-in-Residence em Istambul, Dhaka, Kolkata e Veneza.
“Sobre a nudez crua da verdade, o manto diáfano da fantasia”
(Eça de Queiroz, A Relíquia, 1887)
Numa parceria com a Horta Seca, organizadora do festival Temps d’Images ou Fuso — Festival de Vídeo Arte Internacional de Lisboa, o maat apresenta Sobre a nudez crua da verdade, um ciclo de videoarte que ocorrerá durante um mês em quatro sessões que terão lugar aos sábados ao final do dia.
O projeto tem como mote o tema da verdade, inspirando-se nesta icónica frase do livro de Eça de Queiroz e no pensamento que o sustenta: que a fantasia permite frequentemente transmitir ou revelar uma verdade.
Quatro reconhecidos curadores na área da videoarte internacional foram convidados a trazer ao museu uma proposta no âmbito do programa maat Mode 2020 para cada sessão: Jean François-Chougnet, diretor artístico do FUSO e diretor do MUCEM; Tom Van Vliet, fundador do World Wide Video Festival; Bernardette Caille, diretora editorial e curadora independente; e Lori Zippay, directora executiva da Electronic Arts Intermix (EUA).
As projeções realizam-se a partir das 17.00 e serão acompanhadas por um comentário de cada curador.