Seres Vulneráveis
Assembleia pública sobre o espaço e o tempo das epidemias, por Andrea Bagnato e Ivan L. Munuera.
Somos Seres Vulneráveis, e o reconhecimento desta vulnerabilidade constitui uma via para a existência de formas diferentes com outros seres humanos, não-humanos e ambientes. Num programa público organizado por Andrea Bagnato e Ivan L. Munuera, uma vasta gama de convidados reunir-se-á para contextualizar as transformações materiais, políticas e performativas destacadas pela atual pandemia. Assumindo a forma de duas assembleias, o programa irá imaginar novos espaços de ação e solidariedade através da arte e da arquitetura.
Assembleia II: Sounding Out
26/11 a 28/11/2021
Sounding Out parte das ideias desenvolvidas na assembleia anterior (Tuning In), expandindo-as para outros corpos, ambientes, narrativas e políticas. Esta assembleia propõe-se explorar, entre outros temas, vulnerabilidades e codependências invisíveis, a condição de “selvagem” como possível contraponto às narrativas de exclusão, o modo como as instituições legitimam (mas também confrontam) o conhecimento científico, as tradições distantes do cânone ocidental onde o sentido de comunidade é mais inclusivo, a violência estrutural na formação dos estados-nação, e as genealogias do ativismo.
Ao longo de três dias, ressoarão nesta sessão as vozes de Jack Halberstam, Himali Singh Soin, Isabel Amaral, Sofia Lemos, Edwin Nasr, Uriel Orlow, Jasbir K. Puar, Sarah Schulman, Nerea Calvillo, Lucia Casani e Monica Carroquino, Tamara Giles-Vernick, Michael Marder, Elise Misao Hunchuck, Françoise Vergès e Michael Wang.
Programa
Sexta-feira, 26/11/2021
16.30–17:00
Abertura
Com os curadores Andrea Bagnato e Ivan L. Munuera e Beatrice Leanza, diretora executiva do maat
17.00–17.30
Static Range: Part 1
Leitura performativa por Himali Singh Soin
Um dispositivo de telemetria nuclear usado para espiar a China, e abandonado pela CIA em 1965 perto do pico de Nanda Devi nos Himalaias, continuou a emitir isótopos até hoje, provocando cancro nas comunidades Sherpa locais. Um conjunto de selos do Nanda Devi, possivelmente expostos à radiação, é o mote para uma troca fictícia de cartas entre a montanha e o engenho nuclear. Ambos se tornam codependentes, esbatendo a distinção entre o infetado e o que infeta. Nesta troca, ambas as vozes, o “tu” e o “eu”, vão desaparecendo progressivamente, deixando em aberto a questão de qual deles exatamente é vulnerável.
17.30–19.00
Vulnerable Wildness [Natureza Vulnerável]
Palestra de abertura por Jack Halberstam
Dos mortos-vivos à falcoaria e de Oscar Wilde a Max – o amado personagem dos livros infantis de Maurice Sendak – a “condição de selvagem” escapa aos sistemas de classificação e às taxonomias normativas. Muitos tipos de corpos foram simplesmente considerados selvagens pelos discursos civilizacionais e coloniais. No final do século XIX, a categoria “selvagem” era mais frequentemente aplicada aos povos indígenas e negros em particular. Por essa altura, começaram a surgir os contra-discursos, narrativas que se apoderaram do território da natureza e do conceito de antinatural para expressar uma profunda desconfiança nos sistemas normativos de conhecimento médico, social e político emergentes. Entretanto, a “condição de selvagem” também pode constituir uma ferramenta emancipatória, radicalizando o conhecimento e enfrentando confinamentos.
19.00–20.00
Sonic Beings
Performance sonora de Francisco Lopez
Francisco López é reconhecido internacionalmente como uma das maiores figuras da arte sonora e música experimental. Tem desenvolvido nos últimos quarenta anos, um universo sonoro surpreendente, absolutamente pessoal e iconoclástico, com base num escuta profunda do mundo. Destruindo fronteiras entre sons industriais e sons de ambientes selvagens, alternando entre os limites da perceção e o abismo do som, propondo uma escuta cega, profunda e transcendental, liberta dos imperativos do conhecimento e aberta à extensão sensorial e espiritual.
Patrocínio:
Sábado, 27/11/2021
10.00–11.30
Vulnerable Urbanism [Urbanismo Vulnerável]
Uma caminhada epidemiológica por Belém com Isabel Amaral
O Instituto de Higiene e Medicina Tropical foi criado em Lisboa, em 1902. Originalmente situado na zona ribeirinha do Tejo, nos edifícios da Cordoaria Nacional, a leste da Central Tejo, foi transferido duas décadas depois para a sua atual localização, na Rua da Junqueira. Os bairros de Alcântara e Belém são as zonas de Lisboa que, mais do que qualquer outra, guardam os traços urbanísticos do império. O lema do instituto – Sanitatem quaerens in tropicos (procuramos a saúde nos trópicos) – recorda-nos a história colonial da saúde pública. Ao longo dos tempos, a categoria “trópicos” tem sido usada para rotular grande parte do mundo como foco de infeção, assim legitimando a sua exploração. Boa parte do conhecimento científico moderno sobre as doenças infeciosas emergiu a partir das colónias, impulsionado pela necessidade de proteger a saúde dos colonos europeus, usado como arma de guerra e dando origem a uma governabilidade específica. Esta herança permanece mal investigada no discurso público, apesar da nossa estreita proximidade com os seus vestígios edificados.
11.30–12.00
Projeção de filme
Uriel Orlow, The Crown Against Mafavuke, 2016 (19 min.)
12.00–13.00
Vulnerable Treatments [Terapêuticas Vulneráveis]
Conversa com Uriel Orlow e Sofia Lemos
Mafavuke Ngcobo foi um herborista estabelecido em Durban, África do Sul, nos anos 1930, e cuja atividade se desenvolveu na fronteira entre os remédios à base de plantas e as práticas comerciais modernas – uma combinação que os médicos brancos viam como uma ameaça. Em 1940, Ngcobo foi levado a julgamento devido à sua prática, tendo o júri procurado definir o que seriam plantas medicinais “nativas” – uma definição que, mesmo então, estava longe de ser consensual. Ngcobo acabou por ser multado, e a medicina africana foi caracterizada como prática que deveria cingir-se a processos simples e plantas de pronto acesso. Eis um caso de conflito com as chamadas práticas médicas tradicionais que nos revela como a influência da ciência ocidental moderna foi muitas vezes imposta através de reivindicações de autoridade e racionalidade determinadas pela raça.
13.00–14.30
Intervalo
14.30–15.00
Static Range: Part 2
Leitura performativa por Himali Singh Soin
15.00–16.00
Vulnerable Plants [Plantas Vulneráveis]
Conversa com Michael Wang* e Elise Misao Hunchuck
Um dos primeiros vírus identificados pela ciência moderna não infetou seres humanos, mas flores – falamos do vírus TBV (tulip breaking virus), descrito pela primeira vez em 1928. Antes da descoberta do agente da doença, as flores infetadas eram muito valorizadas devido ao efeito variegado do vírus, que produz flamas e listras de cores diversas. Outrora muito apreciadas, as variedades de túlipa “estragadas” são hoje muitas vezes destruídas; o seu cultivo é proibido em países como a Holanda, onde a produção de túlipas é abundante, pois são vistas como uma ameaça à pureza das espécies de túlipa nativas. Um vírus que não tem efeitos negativos nas plantas (nem nos seres humanos) mas é, ainda assim, tratado como um perigo, pode levar-nos a questionar os termos estéticos em que as plantas são enquadradas, bem como as palavras e metáforas que usamos para discutir o contágio.
16.00–17.30
Projeção de filme
Jim Hubbard, United in Anger: A History of ACT UP, 2012 (92 min.)
17.30–19.00
Vulnerable Activism [Ativismo Vulnerável]
Conversa com Sarah Schulman e Edwin Nasr
O ativismo intersectorial e complexo promivido pela ACT UP em Nova Iorque para fazer face à crise do VIH/SIDA impregnou o modo como o engajamento político é hoje entendido. Oriundos de diversos contextos, os seus elementos trabalharam em simultâneo para desmascarar mitos e políticas de exclusão, defendendo uma abordagem horizontal à discussão política, abrindo a caixa negra da medicina, confrontando as práticas segregacionistas dos média, dos governos e das instituições, e propondo uma nova forma de compreensão do engajamento e da criatividade. Esta conversa propõe-se explorar como e porquê o ACT UP é ainda um caldeirão de possibilidades de ação.
Domingo, 28/11/2021
11.00–12.00
Vulnerable Traveling [Viagens Vulneráveis]
Conversa com Nerea Calvillo e Michael Marder, moderação de Ivan L. Munuera
O que significa viajar com “outros” num estado de vulnerabilidade? Como poderia o companheirismo entre seres humanos e não-humanos assumir formas simétricas? É possível encontrar formas de convivência para além das regulamentações contemporâneas que excluem e segregam corpos, comunidades e ambientes? Nerea Calvillo e Michael Marder têm trabalhado individualmente sobre estas questões partindo de perspetivas diferentes: no caso de Calvillo, tornando visíveis os agentes invisíveis e microscópicos que povoam o ar, atendendo a uma dada infraestrutura e espaço público; Marder, por seu turno, socorre-se do conceito de passengerhood (transitoriedade) para ensaiar uma reflexão sobre o tempo, o espaço, a existência e o tédio.
12.00–13.00
Vulnerable Origins [Origens Vulneráveis]
Entrevista com Tamara Giles-Vernick
Na última década, a investigação genética sobre o VIH atribuiu a origem do vírus à presença colonial francesa e belga na floresta tropical da África Central – e às economias extrativistas que, no início do século XX, transformaram a mobilidade, as estruturas sociais e o contacto entre seres humanos e não-humanos. O trabalho científico de recuar as origens da pandemia no tempo, ligando-a explicitamente ao colonialismo europeu, implica um repensar drástico das coordenadas temporais e geográficas do VIH/SIDA. No entanto, também coloca questões importantes sobre causalidade, evidências científicas e a produção de narrativas históricas num contexto de marginalização e opressão racial.
13.30–15.00
Intervalo
14.30–15.30
Tabita Rezaire, Sugar Walls Teardom, 2016
Screening (21 min.) com Mónica Carroquino e Lucía Casani
15.30–17.00
The Island of Doctor Moreau [A Ilha do Dr. Moreau]
Palestra por Françoise Vergès
Na Ilha de Reunião, sob domínio europeu desde meados de 1600, o historial de desflorestação durante o período colonial cruza-se com o da imposição de milhares de abortos forçados às mulheres de cor locais e da recente epidemia de chicungunha –responsabilidade que o governo francês imputou à população e nada fez para combater. Quando a infeção é entendida não como fenómeno isolado, mas no contexto mais amplo da colonialidade, as histórias epidemiológica e médica assumem um significado bastante diferente e muito menos consensual.
17.00–17.30
Static Range: Part 3
Leitura performativa por Himali Singh Soin
Nota: Os convidados assinalados com asterisco (*) marcarão presença online.
Screenings
27/11/2021
12.00 Tabita Rezaire, Sugar Walls Teardom, 2016, 21’
13.00 Ira Sachs, Last Address, 2009, 8’
15.00 Tomaso De Luca, A Week’s Notice, 2020, 60’
28/11/2021
11.00 Uriel Orlow, The Crown Against Mafavuke, 2016, 19’
12.00 Sofia Gallisá Muriente, Celaje, 2020, 41’
13.00 Jim Hubbard, Sarah Schulman, United in Anger: A History of ACT UP, 2012, 92’