Ioga Inter/espécies: uma exploração devocional em prática
Sessão de ioga performativa e colaborativa pela curadora Daniela Zyman
Na tradição tântrica, o “corpo iogue” é entendido enquanto manifestação microcósmica do universo macrocósmico. Nele estão contidos oceanos, rios, plantas, animais e profetas. É o corpo esotérico que orienta um sistema de visualização da metafísica e das práticas ritualísticas específicas da tradição, descentralizando o eu e situando-o entre as partículas do cosmos. Através da prática e da meditação, o eu aprende a tornar-se universal, uma parte integrante daquilo a que Dana Levin chama “o ser do que é”.
“Nesta aula, convido-vos a experimentar uma série de posturas antigas e recém-criadas, bem como fluxos dinâmicos que direcionam a “luminosa cognição” do ioga para as entidades animais, vegetais e minerais. Partirei da visualização canónica do corpo iogue e da sua taxonomia de asanas (posturas). O ioga interespécies pretende reativar a nossa atenção e a nossa imaginação devocional para os modos de ser a que damos forma e corporizamos. Tornarmo-nos (como) o nosso semelhante na esteira pode perturbar momentaneamente a excecional verticalidade do ser humano. Essa abordagem enquanto seres humanos exige que mergulhemos em nós mesmos e nos lembremos de como éramos há muito tempo. Viajamos para trás no tempo, e para o fundo no espaço aquático, conectando-nos com as formas mais estranhas e antigas de consciência. A metamorfose com o tubarão, o sifonóforo, a enguia, a estrela-do-mar, as larvas megalopas e as medusas (entre inúmeros outros seres), a extensão tentacular dos nossos dedos no ar e na esteira, a captura de presas, a microestabilização de posturas excêntricas de animais – tudo isto nos permite aproximar da mutabilidade das formas de vida, das suas indeterminações e das semelhanças que entre si partilham”.
“Podemos usar a prática e a imagética do ioga, na qualidade de aprendizes e experimentadores, para estabelecer uma relação mutualística com os seres vivos e não-vivos? O mutualismo, com origem tanto na biologia ocidental quanto na revolucionária teoria anarquista, desvia a ideia de relação em duas direções: mutuus (estar em reciprocidade, como em “mútuo”) e mutare (transformar-se em). O mutualismo exige, pois, um método de estar-se em reciprocidade a fim de se transformar. O “eu” pode tornar-se mutável. O ioga interespécies, sugiro, pode ser uma prática (política) de esperança e de cuidado, movendo-se através dos corpos e com os corpos. Espero poder discutir estas ideias com os participantes durante o workshop”.
Daniela Zyman é curadora, escritora, docente e praticante de ioga. A proposta Inter/species Yoga foi desenvolvida há alguns anos, após um convite do grupo de artistas SUPERFLEX para que participasse numa expedição de investigação no Pacífico. Zyman vê a sua abordagem ao ioga como possibilidade de redirecionar a centralidade do eu subjacente à prática moderna do ioga rumo a formas de gestão planetária. Plenamente consciente de que muitos praticantes procuram o ioga em busca de paz e tranquilidade interior num mundo de caos e tensão, uma das suas preocupações é a presente reafirmação do individualismo e do autocuidado, procurando dar expressão a aspetos mais latentes ou obscuros da tradição. Zyman é diretora artística da Thyssen-Bornemisza Art Contemporary (TBA21), uma fundação privada fundada por Francesca Thyssen-Bornemisza. Integrou o TBA21 em 2003 e tem desempenhado um papel fundamental na definição do seu programa de exposições e encomendas. Entre 1995 e 2001 foi curadora-chefe do Museu Austríaco de Arte Aplicada/Arte Contemporânea (MAK) de Viena, tendo integrado a fundação e programação do MAK Center for Art and Architecture de Los Angeles. Entre 2000 e 2003 trabalhou como diretora artística da Künstlerhaus de Viena e como diretora do A9 Forum Transeuropa. É doutorada em investigação artística, leciona na Universidade de Arte e Design Industrial de Linz e escreve regularmente ensaios para publicações de arte. Trabalha atualmente na curadoria das exposições Territorial Agency: Oceans in Transformation, em exibição no Ocean Space em Veneza, e Cotton under my Feet, de Walid Raad, no Museo Thyssen-Bornemisza em Madrid.