Flutuações, aquanautas e habitats líquidos: as piscinas enquanto aquários humanos
Programa público de dois dias com curadoria de Barbara Casavecchia
A raiz latina da palavra “espécime” está ligada ao verbo specere: olhar. A forma dos tanques de água lembra a dos gabinetes de curiosidades: quer contenham animais ou plantas – objetos para observação, em todo o caso – oferecem-se ao olhar por intermédio de paredes de vidro, assim marcando a manifestação material da nossa separação daquilo que existe para lá delas.
Todavia, embora a cultura ocidental tenha herdado a noção iluminista do olhar como forma de controlo e do estudo científico como forma de conhecimento, estima-se que até hoje conhecemos apenas cerca de 5% do ambiente marinho. Tudo o resto permanece escondido da nossa vista, uma imensa incógnita.
Propondo uma reflexão sobre as novas questões que a reformulação da nossa relação com o mundo marinho possa vir a colocar, nos dias 3 e 4 de setembro o programa com curadoria da escritora e curadora Barbara Casavecchia procura explorar de que modo pode um aquário para seres humanos transformar-se numa interface conceptual, através da qual a experienciação, a flutuação e a comunicação podem fomentar novas formas de conhecer, indo além da lógica de colonização da linguagem na transmissão do conhecimento.
Podemos ver sem sermos vistos, mas poderemos mover-nos sem sermos movidos?
Do programa fazem parte Uncommitted Barnacle, uma performance de Madison Bycroft, e Ioga Inter/espécies: Uma exploração devocional em prática, uma sessão de ioga performativa e colaborativa pela curadora Daniela Zyman (diretora artística da Thyssen-Bornemisza Art Contemporary / TBA21–Academy) em que o público é conduzido através do método corporal experimental da “identificação, esse processo através do qual expandimos a nossa empatia, e os limites de quem somos se tornam mais fluidos, porque nos identificamos com a experiência de outro alguém, quiçá de uma suposta espécie inteiramente diferente” (Alexis Pauline Gumbs).
O programa de dois dias termina com um painel especial, On Floating, com a participação de Madyson Bycroft (artista), Ana Pires (astronauta, pesquisadora e mergulhadora-especialista), Armin Linke (artista) e Daniela Zyman e Barbara Casavecchia (curadoras), no qual serão debatidas as práticas corporais transdisciplinares.
No interior do espaço circunscrito de uma piscina os seres humanos têm de adaptar-se a uma gravidade, velocidade e modo de locomoção diferentes. Isto é válido para os nadadores ocasionais, mas também para os astronautas que se preparam para atividades extraveiculares no espaço profundo, mergulhando nas piscinas de treino dos Laboratórios de Flutuação Neutra (por exemplo, o maior da Europa, situado em Colónia, no Centro Europeu de Astronautas da ESA) ou durante as missões NEEMO (Extreme Environment Mission Operations), missões operacionais da NASA em ambientes extremos realizadas na Aquarius Reef Base, estação oceanográfica situada ao largo das ilhas Keys e operada pela Universidade Internacional da Flórida. A experiência da flutuação livre e as suas implicações físicas, mentais e psicológicas são o ponto de partida para uma conversa sobre o comportamento humano, a adaptação forçada, a mudança, a fluidez e a opacidade.
Programa
03/09/2021
Performance
20.30–21.30
Uncommitted Barnacle, uma performance da artista Madison Bycroft.
04/09/2021
Ioga
10.30–11.30
Ioga Inter/espécies: Uma exploração devocional em prática, uma sessão de ioga performativa e colaborativa pela curadora Daniela Zyman, directora artística da Thyssen-Bornemisza Art Contemporary (TBA21).
Conversa
12.00–13.00
On floating, com Madyson Bycroft (artista), Ana Cristina Pires de Oliveira (astronauta, investigadora e mergulhadora-especialista), Armin Linke (artista) e Daniela Zyman e Barbara Casavecchia (curadoras)
Angela Rui, radicada em Milão, é curadora e investigadora no campo da teoria e crítica do design. Acredita que o design se posiciona como prática crítica para a problematização das formas convencionais de habitar e vivenciar o mundo, e que os designers devem operar em domínios que reclamam a sua capacidade de traduzir, visualizar e sensibilizar para os atuais desafios e desigualdades, bem como para os bens comuns coletivos ainda não reconhecidos. Entre outros projetos, Angela Rui foi co-curadora de I See That I See What You Don’t See – exposição do pavilhão holandês para a XXII Trienallle di Milano, Broken Nature (2019) – e de Faraway So Close, a 25.ª Bienal de Design de Liubliana (2017). É a curadora da exposição Aquaria – Ou a Ilusão de um Mar Fechado, em exibição no maat, Angela Rui é docente no Programa de Mestrado Geo–Design da Design Academy Eindhoven e na Nuova Accademia di Belle Arti (NABA), em Milão. É doutorada em Arquitetura de Interiores e Design de Exposições pela Faculdade de Arquitetura do Politecnico di Milano.
Barbara Casavecchia é escritora, curadora independente e docente universitária. Reside em Veneza e Milão, onde leciona no Departamento de Culturas Visuais e Práticas de Curadoria da Academia de Belas Artes de Brera desde 2011. Presentemente, leciona um curso de Redação Crítica na NABA, em Milão. Editora colaboradora da revista Frieze, os seus artigos e ensaios têm sido publicados em diversas publicações de referência, como a art-agenda, ArtReview, La Repubblica, Flash Art, Mousse, Nero, South e Spike, entre outras, bem como em diversos livros e catálogos de arte. Em 2018, foi curadora da exposição individual Susan Hiller, Social Facts na OGR, em Torino. Em 2021–2023, sob o título provisório “The Mediterraneans: ‘Thus waves come in pairs’ (after Etel Adnan)”, lidera o programa de bolsas de investigação em curadoria The Current III, promovido pela TBA21–Academy.
Daniela Zyman é curadora, escritora, educadora docente e praticante de ioga. A proposta Inter/species Yoga foi desenvolvida há alguns anos, após um convite do grupo de artistas SUPERFLEX para que participasse numa expedição de investigação no Pacífico. Zyman vê a sua abordagem ao ioga como possibilidade de redirecionar o egocentrismo subjacente à prática moderna do ioga para rumo a formas de gestão planetária. Plenamente consciente de que muitos praticantes procuram o ioga em busca de paz e tranquilidade interior num mundo de caos e tensão, uma das suas preocupações é a presente reafirmação do individualismo e do autocuidado, procurando dar expressão a aspetos mais latentes ou obscuros da prática tradicional. Zyman é diretora artística da Thyssen-Bornemisza Art Contemporary (TBA21), uma fundação privada fundada por Francesca Thyssen-Bornemisza. Integrou a TBA21 em 2003 e tem desempenhado um papel fundamental na definição do seu programa de exposições e encomendas. Entre 1995 e 2001 foi curadora-chefe do Museu Austríaco de Arte Aplicada/Arte Contemporânea (MAK) de Viena, tendo integrado a fundação e programação do MAK Center for Art and Architecture de Los Angeles. Entre 2000 e 2003 trabalhou como diretora artística da Künstlerhaus de Viena e como diretora do A9 Forum Transeuropa. É doutorada em investigação artística, leciona na Universidade de Arte e Design Industrial de Linz e escreve ensaios para publicações de arte regularmente.
Madison Bycroft (pronome: não-binário) nasceu em 1987, em Kaurna Yarta (Adelaide, Austrália), e vive e trabalha em Marselha, França. Licenciou-se na University of South Australia (2013) e obteve um mestrado em Belas Artes no Piet Zwart Institute, em Roterdão (2016). Desenvolvendo o seu trabalho nos domínios do vídeo, escultura e performance, os interesses de Bycroft estendem-se presentemente às formas de leitura e de escrita, de expressão e de recusa. Explorando a política da ilegibilidade e da legibilidade através da linguagem e dos materiais, Bycroft indaga sobre o modo como o “sentido” é estruturado pelos contextos históricos, pelos preconceitos e pelas estruturas de poder. Os seus mais recentes trabalhos têm sido exibidos internacionalmente em diversas exposições: Biopic (Samstag Museum, Tarntanya / Adelaide, 2021); For Refusal (Transmediale, Berlin, 2021); Making Kin (Kunsthaus, Hamburgo, Verão de 2020); Feedback Loops (Australian Centre for Contemporary Art, Naarm, Melbourne, Austrália 2020); Futur, Ancien, Fugitif (Palais de Tokyo, Paris, 2019); Future Generation Art Prize (Pinchuk Art Centre, Kiev e Veneza, 2019); À Cris Ouverts – 6e Biennale de Rennes (Rennes, Saint-Brieuc, 2018); Desk Set (CAC Brétigny, Paris, 2018).
Nana (Anaïs Pinay) (pronomes: ele/eles) é um artista franco-camaronês. Enquanto ator, escritor e performer, desenvolve o seu trabalho em torno da pós-colonialidade e da interseccionalidade, questionando as relações entre política, espiritualidade e representação.
Léo Landon Barret (pronomes: ela/elas) é uma atriz e realizadora francesa residente em Paris. Após dez anos de formação como cantora lírica no coro infantil da Ópera de Paris, estudou representação na École du Jeu. Tem participado em diversos projetos como atriz, realizadora, cantora, performer ou dramaturga.
Ana Pires é Investigadora do Centro de Robótica e Sistemas Autónomos do INESC TEC. Está envolvida em vários projetos relacionados com sustentabilidade do mar e mineração subaquática, geotecnologias e georrecursos. Foi também a primeira mulher portuguesa a finalizar com sucesso o Curso de Cientista-Astronauta, no âmbito do Projeto PoSSUM (Ciência Suborbital Polar na Alta Mesosfera) apoiado pela NASA. Pires é Mergulhadora Especialista (Certificação SSI) e foi também selecionada como tripulação principal da equipa que irá realizar uma missão análoga em abril-maio de 2023 na "Mars Desert Research Station (MDRS)", localizada em Utah (EUA) e gerida pela "Mars Society''. Desde 2018, tem feito esforços em Portugal para promover o voo espacial tripulado, astrogeologia, tecnologia, robótica e atividades de divulgação STEAM. É atualmente “Co-Chair Knowledge Management” da iniciativa “Space For All Nations|SFAN” desenvolvida no âmbito do IIAS e do Programa PoSSUM.