A exposição de Ana Cardoso, finalista do Prémio Novos Artistas Fundação EDP 2017, parte da investigação que a artista desenvolve em torno do medium da pintura. Explorando ilusões de ótica permitidas pela geometria das formas e uma pintura assente no gesto e nos materiais utilizados, Ana Cardoso alia o simultâneo uso e boicote de soluções históricas da pintura hard-edge e da abstração a um regresso às práticas artesanais: diluindo ou associando telas tingidas e tecidas manualmente, não pintadas, a telas industriais pintadas manualmente, por exemplo.
O título da exposição – Leaky Abstraction – apropria-se do conceito usado no desenvolvimento de software e explora a sua relação com a abstração. Esta será incapaz de ocultar todos os seus detalhes concretos; há informação que se perde. A artista transporta estas ideias para o campo da pintura, onde a abstração, geralmente compreendida em desacordo com a figuração, evoca o corpo numa relação de eventos. No seu trabalho, a abstração está alicerçada numa estrutura regulada por formas modulares e geométricas estanques e genéricas (apesar de definidas por si) – adoções da história da abstração, estratégias formalistas, etc. – como proposições para e do corpo. As abstrações funcionam então como vazamentos e escoamentos dessa estrutura.
O tecido emerge aqui como suporte e cerne da pintura, e a tecelagem como campo gerador de superfícies em diálogo com a história da abstração. Importa destacar o interesse de Ana Cardoso em dar visibilidade à tecelagem enquanto base da pintura e como processo orgânico e mecânico, prática que se liga à composição, à experimentação, à escrita, à imagem em movimento, à criação de uma partitura.
O espaço da exposição transforma-se numa experiência cenográfica composta por um contínuo de faixas verticais suspensas, tingidas e tecidas manualmente, que cortam o espaço diagonalmente e condicionam a visibilidade e o circuito dos visitantes. O conjunto de obras em exposição, propostas como uma instalação total, formam uma sequência que comunica e se complementa – desde os títulos das obras às relações fenomenológicas e espaciais, passando pelos elementos que aparecem, desaparecem e comunicam entre telas.
Ana Cardoso (Lisboa, 1978) vive e trabalha entre Nova Iorque e Lisboa. A sua prática centra-se na abstração, performance e instalação através da investigação da pintura e dos seus limites em contextos específicos. Ana Cardoso desarticula as tradicionais formas quadrangulares do suporte e, longe de toda a geometria, sentimo-la próxima de soluções orgânicas ou materiais. Mestre em Pintura (Hunter College, Nova Iorque) e licenciada em Pintura (Faculdade de Belas-Artes – Universidade Lisboa), Ana Cardoso foi bolseira da Fundação Pollock Krasner (Nova Iorque, 2019–2020) e finalista do Prémio Novos Artistas Fundação EDP 2017. Entre os espaços onde expôs o seu trabalho incluem-se a Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa, 2019), Parapet Real Humans (St. Louis, 2018), Museu Nacional de Arte Contemporânea (Lisboa, 2015), The Kitchen (Nova Iorque, 2009).