Munido de um manancial aparentemente inesgotável de referências e recursos, Gabriel Abrantes (n. 1984) é um artista desconforme que inspira audiências globais e desafia fronteiras mantendo sempre um percurso à margem da tradicional separação (e categorização) disciplinar entre o cinema e a arte contemporânea. Mais do que traçar um arco temporal retrospetivo do trabalho deste artista, Melancolia Programada propõe um exercício experimental (e aberto) de encontros visuais que conduzem o visitante através da obra desviante e sedutora de um dos autores mais prolíficos da atualidade, revisitando diferentes momentos e fases da sua trajetória como uma tentativa (algo romântica) de harmonizar passado, presente e futuro.
Com a exceção da sala onde se encontra a pintura As Banhistas (2020), esta exposição organiza-se em torno de seis ambientes distintos, cada um construído em torno de um dos filmes do artista. Produzidas entre 2008 e 2019, estas obras fílmicas baseiam-se em narrativas complexas que cruzam uma série de situações históricas, sociais e políticas com uma reflexão crítica sobre grandes temas da antropologia, modernidade e identidade.
As novas pinturas de Abrantes são habitadas por personagens enigmáticas e ambíguas, entre o cute e o grotesco, que pairam sobre um fundo azul, como uma paisagem desértica e crepuscular que evoca um espaço-tempo metafísico capaz de transcender a corporeidade física da superfície da tela. Realizadas a partir de imagens geradas por diferentes programas de animação digital, elas demonstram o crescente interesse de Abrantes pela intersecção entre animação digital 3D, inteligência artificial e a história da arte, em particular pela pintura ocidental. Nelas reconhecem-se referências a Paul Cézanne, Pablo Picasso, René Magritte ou Ed Ruscha, mas também às figuras votivas do Período Dinástico Arcaico, à commedia dell’arte ou à estética visual dos filmes da Disney e Pixar e às célebres curtas-metragens de animação americanas (Talkartoons) distribuídas pela Paramount Pictures entre os anos de 1920 e 1930. Observando a relação entre imagem fílmica e imagem pictórica e a concomitância entre duas práticas tão distintas, inclusivamente admitindo as sucessivas interrupções e desvios desta última, percebe-se que o imaginário visual dos filmes provém das fontes do pintor — por exemplo, o robot futurista do filme Humores Artificiais (2017) é uma clara referência aos icónicos sinos de René Magritte — na mesma medida em que, no caso deste novo conjunto de pinturas, a sua inspiração tem também origem em vídeos animados.