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Exposições
Gabinete: novas aquisições na Coleção de Arte Fundação EDP
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Curador: João Pinharanda
gabinete ana jotta
gabinete ana jotta

A Coleção de Arte Fundação EDP foi, na temporada de 2021–2022, enriquecida com um conjunto de autores e obras de diferentes tempos, origens e sentidos: Fernando Calhau (Água-mar-tempo, 1975), João Vieira (Viúva Negra, 1981), Miguel Branco (Sem título, 2021), Ana Jotta (Ricochete #2 e Ricochete #6, ambas de 2017), Luisa Cunha (Body Corner, 2016; Turn around, 2007; Não, 2018; Gone With The Sea #1 e #4, ambas de 2019; e Pas de Deux, 2019), Jorge Nesbitt (Le serpentin vert, 2021), Tiago Baptista (duas pinturas, Drip Drop e Sem título, ambas de 2021) e João Gabriel (duas pinturas sem título, ambas de 2022). A presente exposição apresenta algumas dessas obras num arranjo que pretende inventar diálogos, mantendo abertas todas as interrogações que uma obra de arte permite. Cada um dos trabalhos ajuda-nos a desenhar novos mapas, com caminhos que se bifurcam e distanciam, mas que, percorrendo-se em todos os sentidos, podem convergir.

 

A obra de João Vieira (Vidago, 1934 – Lisboa, 2009) testemunha, do ponto de vista técnico, o uso corrente de matérias artificiais (poliuretano expandido); revela, em termos linguísticos e pela solução de multiplicação da mesma forma, a assunção da repetição serial; finalmente, mostra o tempo de um erotismo libertário no Portugal pós-ditatorial. Esse tempo, exaltado através da imagem da mulher-musa (já em processo de libertação), sustenta-se na dimensão tradicional do voyeurismo masculino (revelado na multiplicação de seios), marcando, na escolha do título, a dimensão de uma ironia amarga, que faz recair sobre a beleza da mulher a carga multiplicadora de uma culpa.

 

A multiplicação de imagens na obra (uma série de nove variações do mesmo motivo-base) de Ana Jotta (Lisboa, 1946) funciona de modo diverso. As duas gravuras adquiridas dessa série integraram Bónus (Lisboa, 2017), a exposição que celebrou a atribuição do Grande Prémio Fundação EDP Arte 2013 à artista. Jotta boicota a ideia de centralidade, imediatamente sugerida pelo tema visual do “alvo” de tiro, ao desmultiplicar esses alvos e sobrepor planos que ocultam os anéis de pontuação, transformando a secura da imagem original numa intensa experiência visual que nega toda a possibilidade de estabilidade no ato de ver.

 

A fotografia Body Corner, de Luisa Cunha (Lisboa, 1949), tanto se apresenta como o avesso do Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, como o avesso do Modulor, de Le Corbusier: uma mulher de costas que, no canto de um espaço, sem mais referências que as de um chão, duas paredes e uma aresta, abre os braços paralelamente ao solo, parecendo medir o espaço onde o corpo se insere. Nenhuma geometria apolínea delimita esta mulher (a própria artista), nem ela delimita espaço funcional nenhum; de costas, nega oferecer-se à contemplação e mede um espaço sem saída. As outras duas fotografias de Cunha parecem (e são) exercícios de cor-forma; mas constituem, igualmente, uma nova tentativa de a artista se confrontar com as grandezas reais e subjetivas do mundo: fragmentos de plástico colorido, trazidos pelas águas do mar, são ampliados, num jogo entre as realidades micro e macro. Os perigos ecológicos surgem disfarçados pela feliz alacridade das cores, e o recorte claro mas aleatório das formas serve para a artista replicar ironicamente os processos estética e ideologicamente conscientes das correntes hard-edge nos anos de 1970.

 

As pinturas de João Gabriel (Leiria, 1992) e Tiago Baptista (Leiria, 1986) destacam-se, face ao peso histórico da peça de Vieira ou ao peso especulativo das obras de Jotta e Cunha, como elementos estranhos, vindos de outro universo, onde o domínio da conceptualização na criação das obras parece ter dado lugar a estratégias livres – narrativas ou descritivas, em Gabriel, e intensamente poéticas, em Baptista. O primeiro encena situações concretas (cenas de vida partilhada ou retratos) de erotismo evidente ou pressentido (um adolescente em tronco nu ou sacos-cama numa clareira, ao luar, denunciando uma aventura a dois); o segundo joga com os seus rostos que são máscaras, isolados em campos cromáticos que funcionam como elementos de ocultação ou destaque, e elege objetos e padrões decorativos que cruza e associa (explorando os seus contrastes, surpresas formais e semânticas) ou que apresenta como motivos únicos, reforçando-lhes a simbologia. É o caso da vela que, numa pequena pintura, arde no escuro sem nada nos revelar – talvez seja o destino de todas as obras de arte, e a razão do fascínio que estas exercem sobre nós.

João Pinharanda

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